A diretoria de operações da Polícia Rodoviária Federal, nos autos do processo 08650.010236/2025-78, onde consta como interessada a Coordenação-Geral de Segurança Viária, elaborou a Nota Técnica 3/2025/DFT/CPF/CGSV/DIOP, datada de 06/02/2025, referente à Fiscalização do Tempo de Direção e Descanso do Motorista Profissional, em conformidade com a ADI nº 5.322 do Supremo Tribunal Federal e dos Procedimentos de Fiscalização do Tempo de Direção e Descanso do Motorista Profissional realizados com base na Infração do art. 230, XXIII, do CTB.
Os pontos mais importantes da referida Nota Técnica são os seguintes:
1) Cita os pontos importantes da decisão do STF no julgamento da ADI 5322, inclusive da decisão dos embargos de declaração em relação aos impactos da declaração de inconstitucionalidade do par.3, do art.67-C do CTB, que trata do descanso mínimo obrigatório de 11 horas de descanso do motorista profissional condutor de veículo de transporte rodoviário de cargas e coletivo de passageiros.
2) Reconhece que embora a decisão traga repercussão na fiscalização da Lei do Motorista, no CTB a única menção à ADI nº 5.322 se encontra no §3º do art. 67-C, cuja parte final que permitia que o descanso de 11 horas pudesse ser fracionado, usufruído no veículo e coincidir com os intervalos do tempo de direção, observados no primeiro período 8 (oito) horas ininterruptas de descanso e que foi declarada inconstitucional.
3) Em decorrência de tal decisão, não há mais a possibilidade de o motorista fracionar o descanso de 11 horas dentro do período de 24 horas, devendo gozá-lo de forma ininterrupta.
4) Reconhece que a decisão do STF na ADI 5322 impactou dispositivo do CTB e da CLT e sob tal perspectiva é fundamental destacar que os reflexos da decisão devem ser analisados sob a ótica dos impactos implícitos gerados no sistema normativo, pois o art.235-D, par.5, da CLT também foi declarado inconstitucional.
5) Em razão da declaração de inconstitucionalidade por arrastamento, a decisão da ADI 5322 que declarou inconstitucional a parte final do art.67-C, par.3, do CTB, torna prejudicada também a Resolução Contran 525, de 29/04/15, que regulamenta a fiscalização do tempo de direção do motorista profissional, em especial em relação aos incisos V, X e XI do art.3º, não podendo ser considerada nas fiscalizações referentes ao tema, necessitando de adaptações por parte do Contran.
6) Entende que as diretrizes para orientação na fiscalização do tempo de direção e descanso dos motoristas profissionais, abrangerá os motoristas profissionais autônomos ou contratados do: Transporte rodoviário de passageiros: do transporte e de condução de escolares e de transporte de passageiros com mais de 10 (dez) lugares; Transporte rodoviário de cargas: com peso bruto total superior a 4.536 quilogramas.
7) Tempos de Direção e Descanso Previstos:
Em decorrência da decisão do STF na ADI 5322 os motoristas profissionais devem usufruir de um período mínimo de descanso de 11 hs de descanso ininterrupto, dentro do intervalo de 24 hs (CLT, art.235, par.3 e CTB, art.67, par.3).
O descanso de 30 minutos a cada 6 horas de condução de veículo de transporte de carga continua obrigatório (CTB, art.67, par.1º), sendo permitido o fracionamento tanto do descanso quanto do tempo de direção, desde que não seja ultrapassado o limite de 5 hs e meia contínuas de condução.
Em situações excepcionais e devidamente registradas, caso o tempo de direção não seja observado de maneira justificada, o tempo de direção poderá ser estendido pelo período necessário para que o condutor, o veículo e a carga cheguem a um local seguro que possibilite o atendimento adequado, desde que a segurança rodoviária não seja comprometida (CTB, par.2º).
8) Análise de Documentos
Para fiscalização do cumprimento do tempo de direção e dos intervalos de descanso, o Policial Rodoviário Federal deverá analisar os registros das últimas 24 horas anteriores a abordagem, utilizando os seguintes meios estabelecidos para registro, na seguinte ordem de preferência: 1) Tacógrafo ou; 2) Diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo fornecidos pelo empregador; 3) Ficha de trabalho autônomo.
A fiscalização deve considerar a exceção prevista no art.3º, inciso IV, da Res.Contran 525/15, de que em situações excepcionais, devidamente justificadas, o tempo de direção poderá ser elevado pelo período necessário para que o condutor, o veículo e a carga cheguem a um lugar que ofereça segurança e o atendimento demandados, desde que não haja comprometimento da segurança rodoviária.
9) Transporte em dupla de motoristas
A fiscalização deve ser centrada no condutor que estiver ao volante no momento da abordagem.
Caso haja constatação de alguma infração no descumprimento do tempo de descanso ininterrupto de 11 hs, que impeça a continuidade da condução por parte do motorista, o veículo será retido até o cumprimento do tempo de descanso obrigatório aplicável, ou seja, 11 hs de descanso ininterrupto, podendo ocorrer a liberação do veículo para seguir viagem mediante a apresentação de condutor substituto, regularmente habilitado.
Até que o Senatran se manifeste sobre os meios de comprovação do descanso, em especial em ambiente externo do veículo, o Policial Rodoviário Federal deverá aceitar o condutor apresentado para conduzir o veículo que declarar ter cumprido o descanso legal.
10) Infração de trânsito
No caso de descumprimento das regras do tempo de direção e de descanso do motorista previstos nos arts.67-C e 67-E do CTB haverá incidência da infração prevista no art.230, XXII, do CTB e penalidade de multa e retenção do veículo para cumprimento do tempo de descanso aplicável.
Considera como hipóteses de incidência da infração prevista no art.230, XXII, do CTB: a) quando o condutor deixar de apresentar pelo menos um do meios de fiscalização previstos no art.2º da Res.Contran 525/15 (tacógrafo e/ou seus substitutos); b) quando o condutor apresentar qualquer um dos meios de fiscalização previstos, mas não for possível comprovar o cumprimento dos tempos de direção e descanso; ou c) quando o condutor apresentar qualquer um dos meios de fiscalização e houver a comprovação do descumprimento dos tempos de direção e descanso.
11) Medidas Administrativas – Retenção do veículo
A medida administrativa de retenção do veículo prevista no art.230, XXIII do CTB não será aplicada, caso se apresente outro condutor regularmente habilitado que tenha observado os tempos de direção e descanso para dar continuidade à viagem.
Caso haja local adequado para o descanso do motorista nas proximidades do local da abordagem, o veículo será liberado, a critério do Policial Rodoviário Federal, mediante o preenchimento do RRD (Recibo de Recolhimento de Documentos), podendo ser um posto de combustível, estacionamento público ou privado ou área de estacionamento e parada de veículos das Unidades Operacionais da PRF.
A critério do Policial Rodoviário Federal não se dará a retenção imediata de veículos com carga perecível e produtos perigosos, salvo se se tratar de descumprimento do descanso ininterrupto de 11 horas dentro do período de 24 horas, hipótese em que deverá ser cumprida a medida administrativa.
A Nota Técnica também detalha as situações que geram exceção ou aplicação diferenciada de medida administrativa e orientações para o preenchimento do auto de infração pela autoridade policial.
12) Locais para descanso e parada
Até que haja regulamentação que disponha em contrário, para fins de fiscalização da PRF, serão considerados como pontos de parada os já existentes e utilizados pelos motoristas profissionais, como os pátios de postos de combustíveis e outros estacionamentos públicos ou privados, incluindo eventuais espaços existentes nas Unidades Operacionais da PRF.
13) Existência de Acordos ou Convenções Coletivas
Na hipótese de comprovação, no ato da fiscalização, de Acordo ou Convenção Coletiva, devidamente registrada no MTE, que disponha de maneira diversa do que está previsto na referida Nota Técnica, o Policial Rodoviário Federal deverá observar os termos do referido Acordo ou Convenção Coletiva.
Em outras palavras, se existir norma coletiva autorizando o fracionamento do intervalo de 11 horas de descanso previsto no art.235-C, par.3º da CLT com fundamento na decisão do STF nos Embargos de Declaração na ADI 5322, que reiterou o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas com fundamento no art.7º, XXVI da CF, tal disposição normativa deverá ser considerada pelo Policial Rodoviário Federal e prevalecerá sobre aquilo que está sendo tratado na Nota Técnica, ainda que a norma coletiva disponha de forma diversa.
Sobreleva ressaltar que a Nota Técnica não consiste em lei ou ato normativo, mas apenas um parecer emitido por um órgão consultivo, possuindo natureza jurídica de ato administrativo opinativo.
Em linhas gerais, isso significa que ela expressa a interpretação oficial, a orientação técnica ou o parecer de um órgão especializado sobre determinado tema, no presente caso, sobre as regras do CTB acerca do cumprimento do tempo de direção e do descanso obrigatório dos motoristas profissionais. Todavia, possui uma eficácia de orientação aos agentes da fiscalização, no caso, para os Policiais Rodoviários Federais.
As regras contidas nos artigos 67-A, 67-C e 67-E do CTB, que trata da fiscalização do tempo de direção, trazidas com a Lei 13.103/15, são obrigatórias aos motoristas profissionais do transporte rodoviário de cargas e de passageiros, com ou sem vínculo empregatício, ou seja, também se aplicam aos motoristas profissionais autônomos.
Entendemos que a orientação contida na referida Nota Técnica dirigida aos Policiais Rodoviários Federal de que deverão respeitar as regras contidas em Acordos ou Convenções Coletivas sobre o descanso de 11 horas dentro de 24 horas, desde que comprovada a sua existência no ato da fiscalização, não se aplica para o caso do motorista autônomo, mas apenas aos motoristas profissionais com vínculo empregatício.
Por fim, merece destaque que a referida Nota Técnica é oriunda da Diretoria de Operações da Policia Rodoviária Federal, ou seja, se restringe à fiscalização realizada pela PRF nas rodovias federais não sendo aplicada à fiscalização realizada nas estradas estaduais.
Narciso Figueirôa Junior (Assessor Jurídico da FETCESP)
Fonte: FETCESP | Foto: Divulgação/PRF/Governo Federal