O acórdão dos Embargos de Declaração na Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 5322 que tramita no Supremo Tribunal Federal foi publicado em 29/10/2024 e traz a seguinte ementa:
“EMENTA: REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE MOTORISTA. LEI 13.103/2015. RECONHECIMENTO DA AUTONOMIA DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS (CF, ART. 7º, XXVI). SITUAÇÃO DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL QUE PERMITE A MODULAÇÃO DE EFEITOS EX NUNC. GARANTIA DE SEGURANÇA JURÍDICA. EMBARGOS DA AUTORA PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
- Nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, terceiros estranhos à relação jurídico-processual não possuem legitimidade para apresentar pedido ou interpor recursos, conforme disposição do art. 7º da Lei 9.868/1999 e do art. 169, § 2º, do RISTF.
Precedentes. Da mesma maneira, amicus curiae não possui legitimidade para interpor recursos em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. - O PLENARIO reconheceu a autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF) ao afirmar a constitucionalidade da redução e/ou fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas profissionais, desde que ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho 3. A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL admite o conhecimento de embargos declaratórios para a modulação da eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, desde que estejam presentes o excepcional interesse público e social, bem como razões de segurança jurídica, os quais justificam o parcial acolhimento do pedido para conferir efeitos ex nunc ao acórdão embargado.
- NÃO CONHECIMENTO dos Embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional da Indústria – CNI e pela Confederação Nacional do Transporte – CNT.
- CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMETO dos embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT para (a) reiterar o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF); (b) modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuir-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata do julgamento de mérito desta ação direta. ”
O julgamento foi do Plenário do STF e por unanimidade prevaleceu o voto do ministro relator Alexandre de Moraes no seguinte sentido:
1) Não foram conhecidos os Embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional da Indústria – CNI e Confederação Nacional do Transporte – CNT e;
2) Foram acolhidos parcialmente os Embargos de Declaração da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT para:
a) reiterar o reconhecimento da autoridade das negociações coletivas (art.7, XXVI, da CF);
b) Modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e atribuir-lhes eficácia “ex nunc” (sem retroatividade), a contar da publicação da ata de julgamento do mérito da ADI 5322.
Com a referida decisão não há dúvidas de que o mérito da ADI 5322 surte efeitos apenas a contar da data da publicação da ata de julgamento, ou seja, a partir de 12/07/2023.
Dessa forma, a partir de 12/07/2023 é que passa a valer tanto a declaração de constitucionalidade de vários temas da Lei 13.103/15 quanto a inconstitucionalidade dos seguintes itens:
1) Fracionamento do intervalo interjornada de 11h00 (CLT, art.235-C par.3º, e art.67-C, par.3º, do CTB) e (CTB, art.67-C, par.3º);
2) Possibilidade de gozo do DSR no retorno do motorista à base ou ao seu domicílio em viagens de longa distância (CLT, 235-D, caput);
3) Cumulatividade de DSR (até 3) em viagens de longas distâncias (CLT, art.235-D, par.2º);
4) Fracionamento do DSR em 2 períodos em viagens de longas distâncias, sendo um destes de, no mínimo 30 horas ininterruptas (CLT, art.235-D, par.1º);
5) Tempo de espera (CLT, art.235-C par.1º, 8º e 12º) e indenização de 30% do salário-hora normal (CLT, art.235-C, par.9º);
6) Repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas (CLT, art.235-D, par.5º e CLT, art.235-E, III).
Vale destacar que as empresas de transporte de cargas devem estar cumprindo a decisão de mérito da ADI 5322 desde 12/07/2023 sob pena de acumularem um passivo trabalhista.
Outro aspecto importante é que há fundamentos legais e jurídicos para que as decisões judiciais que aplicaram retroativamente a decisão do STF na ADI 5322 sejam reformadas, pois tais decisões somente podem considerar os efeitos a partir de 12/07/2023, data da publicação da ata de julgamento de mérito da ADI 5322, como restou decidido no acórdão em Embargos de Declaração.
Caso haja algum processo trabalhista já julgado aplicando a decisão da ADI 5322 antes de 12/07/2023, entendemos que a modulação dos efeitos pode ser invocada em sede de recurso, desde que respeitado o prazo legal para interposição e os requisitos de admissibilidade.
A modulação dos efeitos da decisão também pode ser arguida em fase de liquidação de sentença, tendo em vista o caráter “erga omnes” da decisão do STF e considerando que se trata de fato superveniente que deve ser considerado pelo juiz (CF, art.102, par.2º, e CPC, art.493), podendo ser alegado inclusive a inexigibilidade da obrigação (CPC, artigo 525, § 1º, inciso III).
Caso a decisão judicial tenha dado efeitos à ADI 5322 anteriormente a 12/07/2023 e já tenha transitado em julgado, entendemos ser cabível ação rescisória, com fundamento nos artigos 525, §15, 927, I, e 966, todos do CPC, observado o prazo decadencial de dois anos a contar do trânsito em julgado (CPC, art.495).
Nos casos onde houver decisão judicial que descumpra a modulação dos efeitos contida no acórdão dos Embargos de Declaração na ADI 5322, cabe reclamação constitucional no STF com fundamento nos artigos 102, I, “l” e 105, I, letra”f” da Constituição Federal e art.988, III e IV, do CPC.
No que pertine a possibilidade de negociação coletiva dos itens declarados inconstitucionais pelo STF, o acórdão dá provimento parcial aos Embargos de Declaração da CNTTT para reiterar o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas com fundamento no art.7º, XXVI da Constituição Federal, enfatizando que na própria Ementa da decisão de mérito da ADI 5322, ficou constando no item 3 “o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas e a constitucionalidade da redução e/ou fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas profissionais, desde que ajustado em acordo ou convenção coletiva.”
Conquanto o voto do Ministro Relator não seja claro sobre a possibilidade de tratar em negociação coletiva os temas da Lei 13.103/15 declarados inconstitucionais pelo STF na ADI 5322, vale destacar o voto convergente do min.Dias Tóffoli, contido no acórdão dos Embargos de Declaração que, acompanhando integralmente o Ministro Relator ressalta, entretanto, que a “submissão dos temas tratados às negociações coletivas, como acolhido no voto do eminente Ministro Relator, poderá otimizar o cumprimento do acórdão proferido em proveito do próprio trabalhador, o qual, diante de viagens longas, pode preferir acumular e usufruir seu legítimo direito ao descanso de maneira cumulativa, em proveito da própria família.”
O voto convergente do min.Dias Tóffoli, em nossa opinião pessoal, aponta para a possibilidade de negociação coletiva, desde que reste demonstrada a compatibilidade com o disposto no art.7º, XXVI da Constituição Federal e os benefícios para o motorista profissional.
Os limites e as alternativas juridicamente viáveis para adoção da negociação coletiva para possibilitar a melhor adequação das alterações trazidas na Lei 13.103/15 pela ADI 5322 será um desafio a ser enfrentado pelas entidades sindicais representativas dos trabalhadores e das empresas de transporte de cargas e merece um estudo jurídico mais aprofundado sobre o tema.
Narciso Figueirôa Junior – Assessor Jurídico da FETCESP
Fonte: FETCESP | Foto: Reprodução